(Paulo Stenzel - publicado originalmente na edição nº 60, de agosto de 2014, do Briefing)
— Adoro o verão! Para mim, é a estação mais criativa do ano.
— Discordo, acho o inverno muito mais criativo.
— Mas o verão traz o ócio que, por sua vez, alimenta a criatividade.
— Discordo, o verão só traz a preguiça, inimiga da criatividade.
— Praia, calor, cerveja, pouca roupa. Tudo é inspiração.
— Discordo, para mim, o verão só tem a parte da transpiração. Lareira, neve, vinho tinto e mantinha sobre as pernas, isto sim, inspira muito mais.
— Mas a mente descansada propicia…
— Discordo. Nesta altura do ano, as pessoas só se preocupam com o corpo, com o delas próprias e com os dos outros, nem lembram que têm mente.
— Ora, mas há grandes canções de verão, como “Summertimes”, “A garota de Ipanema” ou até mesmo “O sol da Caparica”, que provam o poder que o verão tem de impulsionar a criatividade.
— Discordo. São músicas compostas no inverno por gente que está com saudade do verão.
— E o carnaval do Brasil, é no verão e é uma grande manifestação criativa.
— Discordo. O carnaval brasileiro até é no verão mas começa a ser planeado no outono.
— Tu próprio adoras aquela campanha publicitária, a da cerveja, que foi feita especialmente para o verão. Agora é que te apanhei em contradição.
— Discordo. Aquela campanha foi criada no inverno, produzida na primavera para, só depois, passar no verão.
— Mas a moda, por exemplo, no verão é mais alegre e no inverno mais cinzenta e isto é uma prova da inspiração do verão, concordas?
— Discordo. A moda de inverno é criada no verão, por isso é mais cinzenta.
— Queres saber? Desisto, é impossível conversar contigo. Ficas com a tua razão que eu fico com a minha. Tu és um chato que só sabe discordar.
Dito isto, ele saiu do café e foi embora sem se despedir. No início, estava irritado e a argumentar consigo próprio mas a caminhada, ao sol de início de verão, logo mudou o seu humor. Ia perdido nos seus próprios pensamentos, decidido a exercitar a criatividade enquanto andava. Já se tinha esquecido da conversa com o amigo quando, sem nem saber porquê, resolveu dar uma última olhadela para trás. Muito ao longe, lá ao fundo da rua, ainda conseguiu ver o outro que agitava os braços e que gritava a plenos pulmões:
— Discordo!